Dos silenciamentos de uma interculturalista LGBT+ por vezes medrosa

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Nem sempre o texto fica pronto no dia da celebração, mas achei importante postar, mesmo que atrasada: o tema dos silenciamentos LGBT+ precisa ser falado.

Nunca gostei de misturar minha vida pessoal com minha vida profissional. Procurava ser o mais discreta possível nas informações que trocava com clientes e parceiros, mesmo percebendo que talvez eles quisessem saber mais – até porque parte do meu trabalho é passar algumas horas com famílias expatriadas.

Com elas, converso sobre os mais variados, profundos e íntimos assuntos das suas dinâmicas internas. No meu íntimo, sempre senti que era até um pouco injusto como eu lidava com tanta honestidade da parte deles e tanto esconderijo de minha parte.

Sempre acreditei que meus anos de análise me ajudaram a priorizar e manter uma postura neutra, através da qual eu poderia falar das questões das famílias sem precisar falar de mim. Mas isso vem mudando.

A armadilha dos silenciamentos LGBT+

Certamente essa postura de neutralidade tem muitas vantagens. No entanto, há algum tempo percebi que eu sempre me mantive neutra não só por escolha metodológica – mas sim por medo e preconceito.

Medo de ser julgada e/ou não receber a credibilidade que eu precisava pra fazer meu trabalho quando revelasse aspectos de minha vida pessoal. Preconceito por achar que essas pessoas não dariam conta de conhecer a minha verdade. Aí está a importância do tema dos silenciamentos LGBT+.

Isso ficou mais claro quando, há 2 anos, passei a usar aliança. Com ela, eu já não tinha escapatória: ao ver a aliança, as pessoas não deixam passar batido a minha vida pessoal e perguntam. E eu sentia-me encurralada.

Não queria tirar a aliança para fazer os treinamentos ou palestras. Por outro lado, morria de medo que me perguntassem quem usava o outro par desse anel, inclusive já tendo, por vezes, fornecido respostas estapafúrdias ou só mentirosas mesmo.

Nesta mesma época, as conversas sobre filhos se intensificaram dentro do meu núcleo familiar. E, com isso, percebi que eu não ia conseguir me esconder por muito mais tempo.

Como eu faria, num futuro – se deus quiser – não tão distante, pra explicar pra um/a filhx meu que um dia eu tive vergonha ou medo de falar sobre a constituição familiar delx? Como eu iria contar que me rendi aos silenciamentos LGBT+ que vemos nas entrelinhas de todos os dias?

Essa constatação me deu frio nas espinhas, e eu comecei a pensar em todas as vezes que me silenciei diante de interações dos participantes de meus workshops quando eles traziam exemplos de suas vivências familiares, de seus desafios com os cônjuges, de seus filhos. E como me doeu perceber a partir de quantos silenciamentos estava sendo construída minha história profissional.

Sobre identificação e coragem

É preciso dizer também que, como sempre trabalhei com a temática da diversidade, sendo o meu principal eixo a diversidade de culturas nacionais, tinha medo de ser identificada com o eixo LGBT+ . Não que eu não pudesse ou quisesse falar sobre esse eixo, mas meu coração tinha uma empatia maior pelas causas da diferença social e racial.

Talvez porque, aos trancos e barrancos e bem longe do mundo ideal, logo cedo fui aceita pela minha família e amigos. Sim, houve o momento de tentativa de me converter, houve muito sofrimento e julgamento que já não seriam aceitos no mundo de hoje, mas no frigir do ovos, eu nunca senti realmente dor pela minha orientação sexual como sinto pela desigualdade social ou o preconceito racial do Brasil.

Pode até haver alguma onipotência nisso aí, no sentido de que eu acredito ser capaz de dar conta das minhas dores, mas não das daqueles que não podem se defender. Vai entender, questão de identidade.

Fato é que estou na luta pelx nossx filhx. E a comemoração de Stonewall esse ano tem esse teor especial de uma segunda saída do armário.

Eu, em geral, não mentia. Mas eu silenciava. E tornou-se importante pra mim falar.

Não como nada especial, mas simplesmente poder trocar com vocês – sejam clientes, fornecedores, ou participantes – experiências e desafios que, acreditem, os cônjuges de mesmo sexo têm para alinhar e construir relacionamentos. Eu quero também poder contar sobre as aventuras da criação de um(x) pirralhx ainda por vir, que tirará minhas noites de sono e mesmo assim trará das mais importantes alegrias pra minha vida como ouço vocês falarem das suas.

Eu quero poder compartilhar que lidar com diferenças é das coisas mais trabalhosas, e que minhas diferenças não me fazem melhor nem pior que ninguém. E que, assim como vocês confiam tão humildemente em coisas tão profundas das experiências de vida de vocês, eu quero poder também contar as minhas histórias.

Obrigada a todos aqueles que fizeram da luta pelos direitos LGBT+ a sua causa. Vocês não só fizeram a minha vida muito mais fácil, como me ajudaram a entender que todo ser humano tem o direito e dever de buscar ser 100% de suas identidades. E aqui o silenciamento LGBT+ não terá mais espaço.

O outro par da aliança é da Carla, com quem compartilho a vida há 8 anos e junto a quem, nesse exato momento, embarco na aventura de ter uma criança nossa. E por você, meu sonho de filhx, me comprometo a não mais me silenciar. Porque você, assim como todas as crianças do mundo, merece ter uma vida de muito #ORGULHO.

Mariana Barros – Sócia fundadora da Differänce Intercultural Consultants.

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