Inteligência Emocional Brasileira: Afeto, Linguagem e as Complexidades do Pertencer

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Por Adrienne Sweetwater e Mariana Barros

Filosoficamente falando, o período e os valores do Iluminismo nunca chegaram exatamente ao coração do povo brasileiro, o que significa que, em geral, o pensamento racional, lógico, objetivo e de longo prazo e uma orientação de controle sobre a natureza, não são necessariamente parte da mentalidade cultural brasileira. Em vez disso, os valores culturais brasileiros estão centrados em relacionamentos: afeto, emoção e viver no momento presente.

Os estrangeiros que passam um tempo significativo no Brasil, independente se gostam ou não da experiência, costumam dizer que a maior lição aprendida foi se reconectar ao coração e desconectar um pouco da razão. Ou, no mínimo, eles aprenderam a aceitar que a lógica nem sempre deve ser o fator principal na tomada de decisão. Nas palavras de Sergio Buarque de Holanda, um dos mais importantes sociólogos brasileiros, também conhecido como pai de Chico Buarque, o brasileiro poderia ser chamado de “homem cordial”. Com esse conceito de cordialidade, Buarque não só aborda o imperativo de nossa sociedade de sempre agradar ao outro – do colonizador aos nossos filhos – mas também destaca que a população brasileira nunca passou por um processo formal de institucionalização ou profissionalização que incentive o ‘controle’ de nossas emoções ou os aspectos espirituais de nossas vidas. Ele usa a palavra cor, do latim, para chamar a atenção para “pessoas guiadas pelo coração”, para o bem ou para o mal. Mostrar emoções no Brasil é obrigatório e muito bem-vindo, mesmo no ambiente de negócios.

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Ao falar sobre a Inteligência Emocional Brasileira em nossos workshops interculturais, mencionamos o autor brasileiro Paulo Coelho, conhecido por seu best-seller internacional, O Alquimista. Com mais de 65 milhões de cópias vendidas e traduzidas para 80 idiomas, estabeleceu o Recorde Mundial do Guinness para o livro mais traduzido por qualquer autor vivo. Coelho é exaltado por leitores internacionais por fornecer vários momentos espirituais “a-ha” sobre como viver a vida com sentido e conectividade universal. Para a maioria dos brasileiros, entretanto, ele simplesmente traduziu o conhecimento cotidiano sobre pertencimento humano e bem-estar energético que aprendemos com nossas avós. Na verdade, Coelho não é tão reconhecido ou admirado no Brasil como no resto do mundo, e vale ressaltar que há brasileiros que simplesmente não gostam de seu trabalho e não vêem valor nele. Gostamos de brincar em nossos treinamentos que Paulo Coelho é, na verdade, uma excelente solução para o mundo moderno secularizado que busca algum sentido. Muitas pessoas não querem voltar à religião organizada ou a Deus, por isso acolhem as ideias de Coelho sobre espiritualidade! Por ser um tema altamente polêmico e que provoca discussões acaloradas entre os brasileiros, o assunto merece um artigo à parte para um período posterior.

Compreender a necessidade inerente de pertencer é uma Inteligência Emocional incorporada na mentalidade cultural brasileira

Embora muitos acreditem que pertencer é uma necessidade humana universal, as maneiras pelas quais o pertencimento é expressado e comunicado dependem do contexto cultural envolvido. Para os estrangeiros que vivem no Brasil, parece pouco profissional e infantil ver duas colegas de trabalho acariciando o cabelo uma da outra durante o horário de trabalho. Da mesma forma, pode parecer incompreensível chamar o chefe brasileiro por um apelido afetuoso. No entanto, para os brasileiros, é impossível criar um ambiente receptivo e de aceitação sem o contato físico e a afeição verbal, inclusive no escritório.

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Por isso, não surpreende que o português brasileiro—como a língua usada para comunicar uma Inteligência Emocional extremamente elevada, baseada na importância fundamental da conexão humana—inclua inúmeras palavras para descrever a complexidade das emoções, conexões e pertencimento humanos. Por exemplo, enquanto o adjetivo carente se traduz diretamente para “needy” em inglês, brasileiros o usam para significar falta de afeto ou necessidade de atenção, que não tem necessariamente a mesma conotação negativa ou crítica da tradução em inglês. Vem de:

Carência

substantivo

  1. falta de algo necessário; privação.
  2. necessidade afetiva.

Listamos mais algumas palavras, que não têm traduções fáceis para o inglês, que comunicam conceitos afetivos—pré-requisitos para reconhecer a profundidade e a complexidade da Inteligência Emocional Brasileira:

Acarinhar

verbo

  1. tratar com carinho, dispensar tratamento carinhoso a; mimar.

Cafuné

substantivo

  1. passando suavemente a ponta dos dedos pelo cabelo ou couro cabeludo de outro; afago, mimo.

Dar um cheiro

expressão

  1. literalmente, “para cheirar alguém”.

Em mentalidades culturais baseadas na razão e na lógica, o olfato é geralmente reservado para alimentos e flores e certamente não seria considerado para demonstrar afeição física ou cuidado. Dar um cheiro é usado, principalmente no Nordeste do Brasil, como mandar um abraço ou um beijo em alguém. Acarinhar, dar cheiros e cafuné são exemplos de afeto físico que expressam intimidade e ligação humana não exclusivas de amantes ou parceiros românticos.

Se alguém está carente e quer receber um pouco mais de atenção, pode atuar ou agir de uma forma dengosa:

Dengoso

adjetivo

  1. agir com astúcia. Sedutor e insinuante

Dengoso não tem necessariamente uma conotação sexual, significa apenas chamar a atenção para o fato de que se tem uma necessidade emocional de receber atenção ou afeto. Da mesma forma, alguém pode querer ser “mimado”:

Paparicar

verbo

  1. comer pouco ou aos poucos. Mimar, mostrar afeto

A mentalidade cultural brasileira entende que demonstrações físicas e verbais de afeto e conforto são rituais fundamentais para o bem-estar relacional—contribuem diretamente para o sentimento de pertencimento. Isso difere drasticamente das culturas que valorizam muito a objetividade, em que mimar tem uma conotação quase exclusivamente negativa, talvez com a importante exceção de avós tratando netos ocasionalmente. Essa mentalidade também ajuda os brasileiros a se tornarem bons leitores de contexto. Já que compartilhamos, mesmo silenciosamente, nossas emoções com outras pessoas, somos capazes de ler o que está acontecendo nos bastidores e nas entrelinhas em situações de negócios onde a maioria dos estrangeiros não é.

Com a prevalência do distanciamento e isolamento social na pandemia, mais do que nunca, o mundo despertou para a necessidade de contato humano, conectividade e as consequências da falta de afeto. O “pertencer” assume novos significados e definições à medida que navegamos por nossos mundos virtual e presencial. Acreditamos que a linguagem e as habilidades sociais da Inteligência Emocional brasileira têm muito a oferecer à comunidade internacional nestes tempos difíceis.

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