O que fazer agora, Brasil?

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Resumo sobre a situação atual da economia do Brasil: tudinho que eu leio fala sobre ações esperadas do governo e algumas doações – caridosas ou assistencialistas – de privilegiados. Algumas ideias mais radicais ensaiam uma taxação de fortunas.

Eu tenho muita dificuldade em entender como a 10° economia do mundo vai parar se ela está concentrada nas mãos de não mais do que 1% de uma população de 200 milhões de habitantes. Temos a segunda maior concentração de renda do mundo, só perdemos para o Qatar. Isso mesmo, aquele país dos xeiques.

Não há paralelo para a riqueza acumulada nas mãos da elite brasileira. O Qatar não figura entre as 10 maiores economias do mundo. O que faz do Brasil um dos países mais únicos no mundo é sermos uma economia gigante, forte, rica, mas termos a 4° maior desigualdade social do planeta. Somos um país rico, de população majoritariamente pobre.

Como? Porque herdamos uma mentalidade exploratória de nossos colonizadores.

Independência do Brasil, commodities e desigualdade social

Isso quer dizer que nossos colonizadores eram ruins? Não. Apenas faziam parte de um contexto histórico em que a única coisa que os motivava a virem pra cá era a possibilidade do enriquecimento.

E nunca conseguimos romper com essa mentalidade. Tivemos um dos processos de independência mais exóticos do mundo. Não houve guerra, e nosso primeiro imperador era filho do rei de Portugal.

Não chego a dizer que não houve luta, mas certamente não o suficiente para romper com a mentalidade exploratória. Você sabe qual foi a maior economia do período colonial no Brasil? O pau brasil, a cana, o ouro, o café (eu sei, café já não era colônia)?

Não. Foi gente. A maior economia era explorar gente através do sistema escravagista.

Hoje, os números já existem e é possível provar que mais do que com qualquer outra commoditie, os colonizadores lucraram mesmo foi com o tráfico de escravos.

E hoje em dia, qual a maior economia do Brasil? Gente: exploração de gente.

Porque a 10° economia do mundo, com a 2° maior concentração de renda do mundo, sendo a 4° maior desigualdade do mundo nos diz isso: mantivemos um sistema de escravidão informal pelo qual continuamos explorando gente.

Preto e pobre, pobre e preto

Não é à toa que morrem por homicídio 60 mil pessoas em nosso país todo ano, o que faz com que o Brasil mate mais gente do que todas as guerras contemporâneas reunidas. Mas qualquer pessoa morre? Não. Nossa violência está absolutamente direcionada a regiões de favelas/ periféricas onde vivem os pretos e pobres.

Apesar que, no Brasil, preto e pobre é quase redundância. De cada 4 pobres, 3 são pretos.

Outro exemplo? Pelo menos 20% das mulheres brasileiras que trabalham são empregadas domésticas, recebendo em torno de R$1045- R$3000,00 mensais. O Brasil é o país que tem maior número de trabalhadores domésticos no mundo – trabalho que só foi legalizado há 5 anos.

Sim, acho nossos governos o ó. Desde os portugueses. E devemos lutar para melhorar isso aí, tá okey?

Mas, sinceramente, coloque a mão na sua consciência. Se você está lendo esse texto até aqui, ou é porque você faz parte da elite branca privilegiada, ou porque você é exceção do sistema.

Também sabemos que 30% dos estudantes universitários brasileiros são analfabetos funcionais e não aguentam essas estatísticas todas. Mas falemos de sistema educacional num outro momento.

Voltando, por favor, coloque a mão na sua consciência. Você precisa realmente demitir seus funcionários? Ou está tentando garantir suas taxas de lucro atuais e as desigualdades vigentes?

Claro que isso não vale tanto para pequenos e médios empresários – ainda que eu pense que vale se pensarmos em suas pessoas físicas. Numa conta bem simples, se você tomar 4 vinhos (de R$100,00) a menos por mês, 1 por final de semana, e destinar esse valor para sua funcionária doméstica, você estará elevando em 10-25% (pelo menos) a renda dela.

Se todos que têm empregadas domésticas fizerem isso, elevaremos em 25% a renda de 20% da classe trabalhadora feminina brasileira – que em sua maioria é provedora de famílias inteiras.

Imagina se você resolve assumir a educação dos filhos dela? O seguro saúde? Mas você? Sim, porque qualquer pessoa que ganha mais do que R$13.500,00 mensal de renda familiar, no Brasil, já faz parte do 1% mais rico. Esse exemplo não é suficiente para você saber o que fazer? Olhe para seu microcosmo, e tenho certeza que encontrará inúmeras formas práticas e simples de distribuição de sua riqueza desproporcional.

Já pensou em fazer a sua parte?

Estou super aberta a ouvir todos os grandes projetos de mudança de mundo, governo, sistema, que você quiser me apresentar. Mas me escute: antes ou concomitante a qualquer coisa, faça sua parte. Nesse país isso é tão simples.

A desigualdade é tão absurda que qualquer coisa é muitíssima coisa. Tenho dúvidas se nós, empresários, estamos certos ao pressionar o governo e menos ainda se estamos certos ao jogar a culpa para ele.

Não, o governo não está certo. Mas e se olharmos o nosso “accountability” antes de recorrermos a ele? Usei esse anglicismo propositalmente, porque se há uma crítica que acho que os americanos e europeus têm razão em fazerem para nós é essa nossa falta de responsabilização pelo sistema que perpetuamos.

Taxar fortunas não funciona porque o sistema não funciona e o governo é corrupto? Ok, destine você parte de sua fortuna para um projeto no qual você acredita. Ou crie um projeto. Mas não estou falando de caridade nem assistencialismos, hein? Banqueiros, como vocês dormem a noite?

Desculpa, não acredito em crise econômica na 10º economia do mundo onde o setor mais lucrativo é o financeiro. Acredito que herdamos uma mentalidade exploradora e vitimista. E não temos culpa disso. Aliás, não acredito em culpa.

Mas acredito sim em um sistema histórico de privilégios e desigualdades pelo qual somos responsáveis na medida em que o perpetuamos. Mais que tudo, acredito que esse é um excelente momento para revisarmos isso. Bora fazer?

(Mariana Barros – mariana@differance.com.br)

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